domingo, 31 de julho de 2011

Crônica: Eu vi!

Capítulo 3: A batalha da decisão.

Por Gabriel Oliveira

O segundo tempo iniciou tão bem quanto o primeiro. O incrível jogo caminhava para os quarenta e cinco minutos finais. Já aos cinco minutos, Léo, o ligeiro, cortou para o meio, ganhou de Léo Moura, do Flamengo. Tentou enfiar a bola para Ganso, mas o passe foi interceptado. No entanto, o corte espirrou na esquerda, onde estava o pior dos atiradores. Neymar avançou, com velocidade na diagonal, ganhou na corrida do marcador e livrou-se dele de vez com um meneio do tronco. Um drible de tourada, a passagem virtuosa da muleta por cima do touro. Impossível parar aquele franzino menino. Na cara do goleiro, deu um toque por cima. Santos acorda, não adormece mais, em berço esplêndido. A bola visita, pela quarta vez, sua companheira, a rede. Santos 4, Flamengo 3.

Mas Neymar foi obrigado a parar um pouco. Na realidade, o jovem santista estava desempenhando um papel que, normalmente, ele não faz. A de marcar. Ele voltava ao meio campo e, algumas vezes, ao setor defensivo para auxiliar a marcação. E conseguiu alguns desarmes. Isso leva a crer que o atacante está recebendo um treinamento especial de Muricy, aquele que poderá tornar Neymar um jogador completo: marca, corre, dribla e faz gol. Quem não gostaria de um desses no time? Um jogador completo.

Quem estava dando trabalho agora era Ronaldinho Gaúcho. O craque, em franca recuperação do seu futebol, carregava o time. Elevava o moral com jogadas rápidas, com passes curtos e jogadas de efeito.

Aos vinte e um minutos, Ibson perdeu a bola no meio para Willians. O meia flamenguista entregou a bola para Ronaldinho na entrada da área. A bola foi acariciada pelos pés de Gaúcho: mesmo de costas, percebeu a chegada de Edu Dracena, deu um corte seco, que deixou o zagueiro santista sentado, devido ao carrinho mal calculado. Chegou um segundo homem na marcação. Arouca deu o bote, Ronaldinho, com uma dançante finta, entregou a bola de um pé para outro em um ritmo típico da ginga do brasileiro. Mas Arouca impossibilitou a passagem do flamenguista com falta. Não havia outra forma de pará-lo. Se havia em campo um franzino, rápido e habilidoso toureiro, de outro havia um forte, robusto, famoso, triunfante touro. Disposto a derrubar todo e qualquer peão que nele monte, a postos para ferir o toureiro que o desafia, pronto para consolidar o poder diante do temerário querer. Ronaldinho pede para bater. Põe, cuidadosamente a bola na marca. Conversou com os colegas. Parecia pressentir a boa oportunidade. A falta era de muito perto. Para ele, daquela distância, era como um penalti. Mas será que caberia dali uma deixadinha? Nem na pior das hipóteses mereceria tamanha displicência. Gaúcho olha fixamente para o gol. Enquanto Rafael ajeita a sua barreira, o flamenguista parece mergulhar em um fluxo de pensamentos. O árbitro autoriza. Milhões, milhões depositavam naquela bola a alegria de um gol. Ronaldinho correu para bola. No mesmo instante, em um pulo extraordinário, a barreira eleva-se. Todos os jogadores que compunham aquele muro orgânico deixaram um vão. Ó, terrível vão. Aquele que possibilitaria que a derrota dos espartanos em Termópilas. Aquele que impossibilitaria o combate um a um no estreito e derrotaria os trezentos guerreiros virtuosos gregos. Xerxes observaria esse vão e atacaria as tropas de Leônidas.Ronaldinho Gaúcho foi, por instantes, persa. Perspicaz, sensato, percebeu a movimentação da barreira. Não precisou de curva. Não necessitou bater forte. Apenas um chute rasteiro e colocado. Sem mais. A simplicidade dos primeiros chutes de uma pessoa bastaram para culminar no quarto gol rubro negro. Um gol com inteligência. Santos 4, Flamengo 4.

Já bastava. Se o jogo terminasse dessa forma, estava de bom tamanho. Um show. Sensacionais minutos de puro prazer. Mas havia um último suspiro. O Flamengo, recebeu sucessivos ataques. Neymar tinha uma sombra chamada Willians. Competente, o meia tentava, de todas as formas parar o santista. Mas era impossível. Mesmo assim, aguerrido, tentava parar na raça, a técnica.

Aos trinta e seis minutos, um erro de Ganso. Nem ele imaginava a proporção que tomaria esse erro. Um contra-ataque. Deivid, Thiago Neves e Ronaldinho Gaúcho contra dois marcadores e mais quatro que estavam chegando para reforçar a tropa santista. Deivid tocou na esquerda para Thiago Neves. O jogador percebeu a passagem de Gaúcho pelo mesmo lado e deu um tapa na bola. Ronaldinho, incansável, dominou com o pé esquerdo e ajeitou a bola para o direito. O flamenguista bateu colocada no canto esquerdo de Rafael. Indefensável. O Flamengo virou. Heróico, incrível, poético. Uma mistura de saudosismo e Carpe Diem. Os sentimentos formam-se. Aqueles que presenciaram Pelé, Zico e outros, emocionaram-se, lembrando dos momentos imbatíveis do futebol de outras épocas. Aqueles que nunca puderam acaompanhar esses jogadores, aproveitavam ao máximo o momento. Incrível! Incrível! Santos 4, Flamengo 5.

Não havia mais muito tempo. O jogo acalmou-se. O dragão rubro negro aterrizou no reino destruído. O Flamengo recuou. O Santos, perplexo. E se pudessemos ter mais noventa minutos no mesmo jogo? Por que não? Valeria muito a pena.

Era o fim. A arte, a malemolência, a criativadade reinaram. Uma noite. Uma quarta-feira. Um clássico. Uma decisão. A paixão diante dos olhos. A vibração diante das emoções. A motivação intrépida dos sentimentos. Esse é o futebol, que infelizmente não vemos todas as rodadas. Vamos saborear, enquanto é tempo, o agridoce gosto do futebol, da beleza perfeita, da concreção da vaidade, da habilidade prodigiosa, do prazer. Parabéns ao futebol. Utilizando-se de Vinícius, assim, quando mais tarde me procurem, quem sabe o gol, a angústica de quem joga, quem sabe a vitória, fim de quem tenta, eu possa me dizer do jogo que vi: Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto nossas memórias existirem. Eu vi!

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