sábado, 30 de julho de 2011

Crônica: Eu vi!

Capítulo 2: O início da Guerra. As primeiras batalhas.

por Gabriel Oliveira

O combate estava para iniciar. Na torcida, o medido desacerto entre a prepotência da paixão, que fazia os torcedores cantarem, em altos brados, o amor pelo Santos e ignorar a presença do Flamengo e a iminente preocupação em defender-se de uma equipe em ascensão eminente. O senhor, ao centro de campo, de uniforme azul, André Luiz de Freitas Castro , responsável pela justiça, no campo e pela prática do futebol sem intervenções penosas, conferiu os detalhes para dar início à peleja. Um silvo. Rápido. Até desrespeitoso. Mas não vamos julgá-lo, afinal não sabia que sibilara para o prosseguimento dos mais emocionantes minutos dos últimos anos do futebol.

A bola rolou primeiro para o Flamengo. No entanto, em pouco tempo perdeu redonda. Talvez um prenúncio sobre uma possível pressão santista? Sim. De fato. O Santos entrou alerta, elétrico. Seria difícil conter a empolgação. Com toques fáceis, o estreante Ibson, Ganso, Elano e Neymar, envolviam o time carioca. Até que, passados quatro minutos, a bola caiu nos pés de Elano, que, “gansisticamente” enfiou a bola na entrada área para Borges. O atacante dominou com um leve toque, tirando do marcador e, concomitantemente, invadindo a área. Sem marcação alguma, Borges ficou livre. Olhou para a bola. E unicamente para ela. E assim, se faz o gol para o artilheiro. Por que olhar para o Gol? A meta, em anos de treinamento, já é conhecida, é amiga. Com um leve toque, a bola foi conduzida, delicadamente, para o lado esquerdo do gol. Felipe, ainda, em uma acrobacia, que mais parecia de artistas de circo, meneou o corpo para a direita, em um movimento ritmado. Tentou desistir do movimento e cair para o canto esquerdo. Já era tarde. Santos 1, Flamengo 0.

O Rubro Negro, no entanto, não recuou. Procurou, sim, fazer algumas jogadas que levassem perigo ao gol santista. No lado, principalmente, nas jogadas de Luiz Antônio. Ronaldinho Gaúcho, também aparecia. Em um dos seus primeiros lances, limpou, dois adversários e bateu para o gol. Sem sucesso. Mas aquele Ronaldo, aquele Gaúcho, parecia diferente. Parecia aquele Ronaldinho, que começou no grêmio, com mais técnica e mais experiência.

Aos quinze minutos, no entanto, em uma falha na saída de bola, o Flamengo entregou as bolas nos pés de Neymar. O jovem tabelou com Ganso, que ao melhor estilo Ganso, enxergou a arrancada do companheiro, após o toque. Viu, além de cinco adversários, dos quais, três já compunham um segmento de reta a sua frente. Entre dois, enfiou a bola para Neymar, com destreza incomum e velocidade a mil. Na frente da pequena área viu crescer uma sombra de um metro e noventa. Felipe, abafou o seu chute. A bola parecia que queria Neymar. Gostaria de ser chutada por ele, acariciada pelo jovem. Em uma atitude um tanto quanto impulsiva, tentou a bicicleta no rebote. Furou! Que decepção! Ia ser um gol de placa. E caído, desfalecido, totalmente acuado, com a marcação de um oponente, Neymar conseguiu ser mais rápido e preciso. Deu um toque por cima, um cruzamento perfeito. Tirou a bola de seu marcador e do goleiro que estava voltando para o gol, depois da defesa milagrosa. Borges, sozinho, com a meta em frente. Só empurrou. Santos 2, Flamengo 0.

Agora, caro leitor, se deveras respeita o futebol, deveria ver o terceiro gol santista. Que jogada! Não conseguirei, nem se fosse um dicionário, demonstrar com palavras a jogada com tamanho prazer, satisfação e alegria, como o lance, em si, nos mostra. Tudo começou na lateral de campo. Neymar dominou a bola. Um corte seco, rápido, na velocidade, correu na diagonal. Tocou para Borges. O Número nove santista, escorou, fez a famosa parede e retornou a bola para Neymar que vinha passando. Os marcadores, responsáveis pelo meio campo, a essa altura, já batiam cabeças para descobrir o paradeiro do jovem santista. Neymar deu um tapa com o pé esquerdo para colocar a redonda a frente. Na velocidade, alcançou. Incansável, um marcador corre atrás do santista. Mas não há jeito: é mais lento, tem menos técnica. O santista livrou-se de um. Mas havia outro a sua frente. Um experiente. Chamado Ronaldo Angelim. Neymar, nem se deu conta. Podia ser Beckenbauer, Luís Pereira, Bobby Moore. Inevitavelmente tomaria aquele drible. Magistral. Sinceramente, indescritível. Neymar, na frente de Felipe, deu um toque sutil para o gol. A Bola, terminou sua trajetória com o carinho mais delicado: o das redes. A Vila aplaudiu de pé. Beckenbauer aplaudiria. Foi o que fez seu companheiro: Elano, na comemoração, ovacionou o jovem. A alma de um herói. A ousadia que sepulta o poder com arte, malemolência e talento. É roubar um beijo da bola e ela retribuir com o carinho das redes. Santos 3, Flamengo 0.

A goleada estava anunciada. As trombetas para a marcha imperial santista já estavam tocando. Era tempo de paz nos campos da baixada. Não havia como recuperar. Um time, uma formação, vários cérebros que formavam um só, no controle de um verdadeiro mestre: General Muricy Ramalho. A vantagem, no entanto, parecia não ter intimidado o aguerrido rubro negro, que foi em frente enquanto outros parariam, não preocupados com as intempéries, com o Inverno que assolava as tropas de Napoleão. Aos vinte e oito minutos, em jogada pela direta do campo ofensivo, o destaque Luiz Antonio, que apoiava, e muito, o setor de ataque, investiu até próximo à linha de fundo e chutou cruzado. Em uma manobra bizarra, medonha, enfadonha, irresponsável, Rafael, goleiro santista, caiu para pegar o chute, mas deixou passar. Para completar o retalho de frustrações e imcopetência do manto santista, Edu Dracena furou, o que deixou o caminho livre para Ronaldinho Gaúcho: com o gol vazio, empurrou a bola. O oportunismo do flamenguista aliviou o dilatado placar. Santos 3, Flamengo 1.

Mesmo assim, o inverno era severo. Napoleão aguentaria por muito tempo? A técnica russa da “Terra arrasada” era terrível. Não possibilitava a permanência da tropa em lugar algum, no meio do gélido "Nada". Aos trinta e um minutos, em mais uma jogada pelo lado direito, Léo Moura, cruzou a bola na área. A defesa do Santos falhou, grotescamente. Ninguém subiu. E, ainda, dois jogadores do Flamengo se desmarcaram e estavam livres, dentro da área. Com calma e sozinho, Thiago Neves cabeceou para o fundo das redes. Era a reação rubro negra. Parecia que a neve não atrapalharia a tropa. Alimentavam-se da valentia sem a soberba, do heroísmo sem a arrogância, da vontade sem a emotividade. Os gols, em tempo recordes, deram coragem, ânimo ao time do Rio de Janeiro. Os combatentes santistas já eram acionados, novamente, para entrarem em luta. As trombetas agora avisavam o perigo do iminente empate. Os escudos já eram preparados. A defesa precisava se reforçar. O Castelo estava ameaçado. A fortaleza já não era mais a mesma. General Inverno parecia tremer diante de Napoleão. Pressentia o verdadeiro frio. Aquele de sensação temerosa que nos força repudiar a audácia e ousadia, que nos faz recuar diante o perigo. Que nos transforma em meros mortais. Que nos recolhem à insignificância.

Mas o Santos tremeria diante qualquer General, por pior que fosse? Sua tropa fora educada, de acordo com o poder da decisão. A designação de seus soldados não era de forma aleatória e irresponsável. Atrás daquele exército, protegido por trincheiras, ouvia-se a retumbante voz que substituia as trombetas, a razão que substituia a tranquilidade do placar. A voz de Muricy, incentivando o time e cobrando daqueles que sempre podem render. Aos quarenta e dois minutos, a surpresa. Em arrancanda surpreendente, o incansável Neymar, avançou até a área, quando foi tocado pelo oponente. O santista desabou na área. O árbitro, cumprindo a função de censor da disputa, assinalou penalidade máxima. Todos já profetizam o gol de Neymar, dessa vez de penalti. Mas não era ele quem se aproximava da bola. Era Elano. O meia que há pouco tempo ajudou a execrar toda e qualquer possibilidade do Brasil passar adiante na Copa América. Seria essa a redenção de Elano? Pelo menos com a torcida do Santos. Poderia ser esse o motivo pelo qual Muricy havia indicado Elano para a cobrança? Bastaria esperar. Para os mais nervosos, bastaria fechar os olhos e esperar o grito do locutor. Mas não, todos ali, de olhos atentos. Os santistas uniram os corações para acompanhar a batida. Os flamenguistas solicitavam a ajuda dos Deuses ou ajuda do gramado, que, a olho nu, parecia em perfeito estado. O árbitro havia autorizado. Corações afoitos. De um lado, um nó na garganta, o desejo de gritar uma palavra monossilábica, de fácil expressão, mas de sentimento máximo, a Magnum Opus daqueles em campo: Gol. De outro um nó na garganta. Aquele que impossibilita qualquer reação relacionada à palavra. Nem mesmo xingar. Apenas esperar. Esperar pelo pior? E Felipe, não defende? Elano partiu. Olhou para o gol... Para a bola...Para o gol.... E no derradeiro momento, para a bola. Um toque abusado. Colocado, no centro do gol. Uma deixadinha característica daqueles jogadores mais displicentes do futebol. Felipe,sem nenhuma dificuldade, esticou o braço e, para ironizar o péssimo penalti, fez algumas embaixadinhas. O nó na garganta santista transformou-se em ira e desapego, por instantes. O nó na garganta flamenguista modificou-se em alívio e sorriso. O fracasso diante de um jogador. Era como se uma batalha tivesse sido perdida em decorrência de um erro individual. Sobre os olhos da reprovação da nação santista, Elano, de cabeça baixa, sem nenhum moral, implodiu. Uma inconsequência, um ato isolado. Um erro. O erro. A Vila vaiava Elano.

Um minuto após a imprudência, o Santos toma seu derradeiro golpe da etapa inicial. O primeiro nocaute. Em escanteio batido por Ronaldinho Gaúcho, Deivid antecipou-se e cabeceou para o gol. Uma bola rápida e traiçoeira. Indefensável para Rafael. O Flamengo era quem ditava as regras agora. A ascensão determinou o início do concerto das trombetas. A ressurreição de um dragão adormecido, um animal temível de força inigualável, mostrando que pode tanto quanto quer. Santos 3, Flamengo 3.

E assim terminou o primeiro tempo. Um Santos adormecido e um Flamengo alçando voo sobre o reino.

To be continued...

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