quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Sete Virtudes*



OBS: Para melhor aproveitar o post a seguir, leia primeiro o texto Sete Pecados, de Felipe Altarugio.



- Padre, eu preciso me confessar...

Foi o que disse o homem bem vestido enquanto entrava no confessionário e acendia um cigarro. O padre, que mal acabara de passar as penitências de um senhor de idade preocupado com seus problemas de bebida, foi logo interrompendo.

- Fumar na casa do senhor não é permitido!

- Pô, mas é claro!  Desculpe-me, padre, acho que o nervoso não me deixou pensar direito!

- Tudo bem filho, me conte o que te aflige.

- Olha padre, a minha história começa em 2007. Acho que aquele foi um dos piores anos de minha vida! Eu tinha acabado de ser eleito presidente do maior clube de futebol do estado. Talvez o maior do país, quiçá do mundo.

- Mas eu não entendo... – Interveio o padre, bastante confuso – você disse que foi o pior ano de sua vida?

- Sim padre, sim. Foi o pior. Juro para o senhor que me esforcei tanto quanto pude, mas não tive tempo de evitar a tragédia. Este clube foi rebaixado para a segunda divisão do Brasileirão. Sabe, o presidente anterior tinha conquistado muitos títulos e tudo mais, mas ele estabeleceu uma ditadura que trouxe danos gravíssimos ao clube. Quando eu assumi, já sabia disso. Sabia que ia ter muito trabalho e o rebaixamento era a prova disso.

- Que atitude louvável!

- Por que louvável padre?

- Ora meu filho, esta é uma das maiores virtudes que um homem pode ter! A diligência! É quando nos prontificamos a nos empenhar em alguma coisa na qual acreditamos. Qualquer um assumiria a presidência de um clube que está em boa situação, mas a grande maioria das pessoas não teria disposição suficiente para começar de baixo como você fez!

- Bom, pode até ser padre, mas a parte ruim ainda não chegou. O primeiro ano de gerência do clube foi muito boa, como obrigatoriamente deveria ser. Contratei um treinador gaúcho sensacional. Ele montou um grupo de confiança e não teve problemas para nos colocar de volta na série A. No entanto, neste ano não conseguimos vencer a Copa do Brasil. Perdemos na final! Inacreditável padre, inacreditável. – o homem pegou um cigarro e aproximou de sua boca – Ah! Desculpe-me padre, quase esqueço de novo.

- Não se preocupe com isso, prossiga.

- Bem, como eu estava dizendo, perdi a Copa do Brasil, mas, para ser bem sincero, consegui algo muito bom. Nós fizemos entrar em vigor um estatuto no clube que impede a reeleição de presidentes. Fiz isso porque acho um absurdo o que outros sujeitos fizeram e ainda fazem em seus clubes. Eles tentam perdurar o máximo possível no comando, começam a se sentir donos das equipes, isso não se faz!

- Conheço bem o tipo, – comentou o religioso – mas espere um pouco. Nem você mesmo pode se reeleger?

- Não, padre! Claro que não! Eu não quero me reeleger, não quero mais saber de estar na mídia ou qualquer coisa assim. Além do que, se eu ficasse dois mandatos e no fim do segundo sugerisse o estatuto,  todos ririam de mim e esperariam que eu fosse embora para refutá-lo. Eu precisava fazer isso funcionar, eu precisava que ele entrasse em vigor; o torcedor merece isso. Aceitar o fato de que não vou me reeleger aumenta minha força argumentativa!

            - Esplêndido! Quanta temperança você tem! Digo mais, isso é uma demonstração de caridade também. É formidável, ao contrário de outros,  gulosos e invejosos que não conseguem largar o osso e pouco se importam com os outros, você tomou esta decisão sem pensar em si mesmo, sabendo se controlar e prezando o bem dos outros!

            - Sim, sim, sim, tá bom, padre, mas isso não é nada perto do lado negativo! Eu preciso de um cigarro! Não, calma, vou conseguir contar direito. Enfim, 2008 fora um bom ano, mas 2009 foi muito melhor. Padre, que sucesso. O ídolo maior de nosso esporte veio jogar no nosso time. Foi fantástico, ele marcou muitos gols, alavancou nossa imagem de forma espetacular e, além disso, rendeu uma melhora brusca em nosso marketing. Estou muito feliz com esse aspecto, aliás. Hoje tanto meu time quanto um de nossos maiores rivais estão alcançando um padrão europeu de faturamento. É uma tendência, me alegro muito em ver os dois crescendo assim. Faz bem para o país. A administração deles foi pioneira nisso. Devo admitir: aprendi bastante com o que lá fizeram.

            - Não é possível, você está se confessando ou se exibindo? – questionou o padre, muito feliz com o que ouvia – essa é a mais importante das virtudes, a humildade. Muitos teriam a ira despertada pelo sucesso alheio, mas você não só se aproveitou dos acertos de seu rival para crescer, como vê a ascensão dele como uma coisa positiva.

            - Padre, pare de me elogiar! Você ainda não sabe de meu erro. Foi em 2010 que ele começou. No primeiro semestre, deixei o Campeonato Paulista de lado e me foquei em vencer a Libertadores. Ah, a Libertadores. Vencê-la é o sonho dos torcedores de meu clube. Era tudo o que eu mais queria. Nós estávamos fazendo 100 anos! Era o presente ideal. Mas, infelizmente, perdemos. Um jogo no Rio com o campo encharcado mais um jogo em São Paulo onde tivemos um apagão na defesa e pronto. Lá se iam nossas chances. Foi decepcionante, não merecíamos.

            - Entendo, deve ter sido frustrante...

            - O senhor nem imagina, padre, – o homem se esforçava para não derramar a lágrima contida em seu olho – o senhor nem imagina... Mas acontece! – falou ele, erguendo a cabeça – Isso não era motivo de mudar a direção do trabalho. Decidimos manter o treinador, manter o elenco e trabalhar para o Campeonato Brasileiro que estava começando.

            - Ótimo! Você soube ser paciente!

- Não tão rápido, padre. Uma notícia acabou mudando nosso planejamento. O Muricy não quis treinar a seleção, ou o time dele não deixou, sei lá o que aconteceu. O fato é que depois da recusa a CBF precisava de outro nome, aí aconteceu o que eu temia. O Mano pediu para sair. Como eu ia dizer não? Eu precisava dele, ele ia ganhar o Brasileirão, eu sei que ia, eu seria perdoado por meu erro na Libertadores. Mas eu não podia segurá-lo. Ele merecia aquilo, queria aquilo. E se eu precisava dele, bom, o país também precisava.

            - Que nobreza de sua parte. Isto se chama castidade sabia? Ao invés de desfrutar de algo que com certeza seria bom para você, sua consciência conseguiu fazer com que você fizesse a escolha certa.

            - Bem, não tão certa... Com a saída do Mano eu precisava de outro treinador. Aí eu decidi contratar o Adílson.

            - Batista?!

            - O próprio...

            - Perdoa-o, ó pai. Ele não sabe o que... – dizia o padre, com as mãos erguidas aos céus, quando um déjàvu lhe ocorreu - faz.

            - Pois é, este erro também foi grave. – disse o homem, meio envergonhado – Como o senhor deve imaginar, aquele doido estragou o time todo. Só fez besteira! Não tive jeito, precisei demiti-lo. Para seu lugar eu contratei outro treinador gaúcho, já que o Mano deu certo.

            - Quem? Felipão, Renato Gaúcho, Carpegiani ou Celso Roth?

           - Nenhum deles, padre. Eu contratei o Tite.


            - É, agora entendo este seu desespero em se confessar. Adílson e Tite na sequência...

         - Não, padre! Na verdade o Tite ainda está no comando. Naquele ano, ele não conseguiu superar a besteira do Adílson e acabou não vencendo o campeonato. Aliás, ele conseguiu terminar o ano sem vaga direta para a Libertadores. No ano seguinte eu persisti em meu erro. O time não foi campeão novamente! Pior do que isso, fomos eliminados na pré-libertadores pelo Tolima. Pelo Tolima!!! Ah! Eu preciso de um cigarro...

            - Adílson, Tite e perder pro Tolima? Pode fumar! – Falou o padre em tom debochado.

            - Obrigado! – o homem acendeu um cigarro e prosseguiu – Foi uma tragédia, padre. Lembra aquele ídolo que falei? Ele se aposentou, não valia mais a pena sentir dor para jogar daquele jeito. E os torcedores então? Entraram em choque! Quanta revolta, quanta tristeza. – as lágrimas voltaram aos olhos do homem – Foi complicado passar por isso, padre, muito complicado. A única coisa que me manteve firme foi a construção do estádio. Agora fiquei sabendo que ele será usado na abertura da Copa de 2014. Não fosse isso minha situação seria ainda mais grave.

            - Filho, você manteve o Tite no comando depois desta tragédia! Isso é admirável. Você ficou triste, chateado, mas não irado. Conseguir colocar a razão acima de tudo isso foi uma demonstração de paciência. Você é um homem de virtudes, não há porque ficar tão preocupado.

            - Mas, padre, - o homem apagou o cigarro e apontou para ele – e isto aqui? Meu vício de fumante?

            - Ora, fique tranquilo quanto a isso, reze quatro pai-nossos, com arrependimento, e será salvo!

            - E a Libertadores padre, e a Libertadores que eu não consegui vencer?!

            - Acalme-se filho, você fez tudo o que pôde. Às vezes, não conseguimos o que queremos, por mais que sejamos merecedores. Às vezes, simplesmente não acontece como esperamos que aconteça. Todas as suas virtudes ainda serão recompensadas!

            - Eu só queria saber quando! Parece que esse dia não chega nunca. Mas, tudo bem. Obrigado, padre. Vou voltar ao trabalho agora. A disputa pelo Campeonato Brasileiro está acirrada, preciso levar esse caneco!

            - Pode ir, meu filho, e saiba que a recompensa não deve tardar! Afinal de contas, algum time tem que ser campeão brasileiro esse ano.


* Qualquer semelhança com instituições ou personalidades da vida real é mera coincidência... ou não.

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