terça-feira, 4 de outubro de 2011

Tiro de meta



A semana tinha sido finta daquelas que deixam qualquer zagueiro desnorteado, trançando os pés. Fato é que a grande catimba dos dias difíceis faz com que o capitão precise motivar a equipe para driblar os percalços da partida, costurar os marcadores e manter o pensamento fixo nas três traves.

Praticava firulas exatas para aturar o chefe, a rotina, o jogo morno da vida real. O clube formado por suas vontades, anseios e objetivos estava há tempos bem capenga. A canhota mesmo já não estava lá aquelas coisas. Mas é preciso ter ginga e jogo de corpo, suar a camisa e vencer os embates dos dias úteis e inúteis.

Imaginava-se estufando a rede, vencendo o tédio, a angústia, a ansiedade de final de campeonato - do tipo que faz jogador roer as unhas, torcedor esmurrar as mesas do boteco e esposas depreciarem as tardes de domingo. Não sabia, porém, que taça gostaria de erguer aos céus. Tinha anseio em ser feliz tal qual um homem-gol. Queria afrouxar a gravata, desabotoar a camisa e tirar os sapatos de couro pela última vez; receber aplausos da torcida pela boa atuação; marcar um gol “para delírio das gerais”.

Sabia que a partida chegaria ao fim. Colocava a bola em jogo pontualmente às seis e trinta da manhã. Paletó, calção, gravata, meião, maleta, caneleiras. A jogada era ensaiada. Erros sucessivos, passes errados e corpo-mole poderiam resultar em contra-ataque fatal. Não se pode perder a cabeça nos momentos decisivos. Era assim que via a vida, o campeonato.

Entre conversas vazias em meio a goles de café, telefonemas e satisfações ao superior, via-se estagnado. Mandava a bola para a lateral a cada fim de meio turno e distraía-se, após o almoço, com os pés descalços nos pedregulhos do estacionamento. Pendurava as chuteiras, recuperava o fôlego com algumas tragadas e voltava para a etapa complementar do expediente.

Fez-se técnico, juiz e jogador. Esqueceu-se das bolas na trave. Ao observar a geometria da equipe, decidiu sacar o comodismo para deixar que a coragem mostrasse do que era capaz. Distribuiu os devidos cartões à equipe adversária. Aproveitou o corredor de funcionários distraídos pelo escritório, de marcadores procurando a bola. Invadiu a pequena área ao entrar na sala do chefe e chutou no contrapé do goleiro. Demitiu-se. Golaço! “Pintura mais fundamental que um chute a gol, com precisão de flecha e folha seca”.

Desconhecia o plantel de sua nova equipe e isso só o encorajava a buscar novas jogadas e bolas com efeito. Renovaria o uniforme, as chuteiras e até o corte de cabelo para brilhar em outros gramados.

Meio de campo outra vez.

Apito final.

@mandiml

Amanda Melo escreve também para o Play This Beat.

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