quinta-feira, 5 de julho de 2012

“Hoje a cidade é do povo”

(Foto: Marcos Ribolli/Globoesporte.com)
Foi muito tempo, Corinthians. Muito sofrimento. E acabou. Xeque-mate. O grito agora rasga a garganta e as dores estão libertas. Finalmente, Libertadores, finalmente! De peito aberto – escancarado – os corintianos podem dizer, com o orgulho transbordando pelos olhos, que são donos da América. E como esperaram por isso, como sofreram. E quantas vezes choraram...

Enfim, a taça, que por tanto tempo foi a maior das obsessões alvinegras, esteve exposta à nação sedenta. Passou desejadíssima pelos olhos de cada jogador, materializou-se diante da torcida alucinada. Era o preâmbulo do sonho, um momento único em mais de um século de história. A redenção, a liberdade corintiana. Um passo para a glória. 

Mas havia um Boca Juniors. Não um “carma”, tampouco uma maldição. Apenas um Boca Juniors que – sabemos – nunca é “apenas” um Boca Juniors. Os argentinos puseram em jogo toda a experiência de outras nove finais de Libertadores e fizeram do que era para ser um massacre corintiano apenas um início truncado, travado em cadência e catimba. A pressão da Fiel ensandecida e a clara superioridade técnica dos brasileiros ficaram subjugadas aos pés de Juan Román Riquelme, que, com a calma de um velho maestro, tocava a bola como se movesse a batuta.

A partida era mental e o Corinthians aceitava as artimanhas boquenses. Talvez por acreditarem na tal sina de tantos anos, os jogadores alvinegros se deixavam ludibriar pela malícia dos portenhos. O Boca Juniors é um time chato e faz disso uma arma letal. Não apenas com garra, mas com um arsenal de sujeiras premeditadas: socos, entradas, carrinhos desleais. Até mesmo a lenta caminhada de Riquelme à bandeira de escanteio era ensaiada. E foi isso que minou o primeiro tempo do Corinthians.

Só a imaginação pode nos dizer o que foi conversado no vestiário. Temos, porém, a certeza de que esse sonho que hoje se concretiza passa pelo comando de Tite, um treinador que aprendeu a ser Corinthians e que provavelmente deixou toda sua elegância de lado para falar na língua de seus jogadores. O time voltou a campo com o anúncio de Paulinho: “vamos jogar mais soltos”. E finalmente entrou em cena o verdadeiro finalista da Libertadores. 

Às vezes – e principalmente com o Corinthians – tem de dar errado para dar certo. A cobrança de Alex foi esquisita, Jorge Henrique desviou, desajeitado, e Danilo foi no alto brigar com os zagueiros argentinos. A jogada parecia morta, mas o meia alvinegro, de costas para a meta, tocou de calcanhar, à la Socrates, para deixar Emerson na cara do gol. O arremate foi furioso, sem pensar duas vezes. A bola entraria de qualquer jeito, como entrou em 1977. E cabem as mesmas palavras de Osmar Santos, que eternizou o inevitavelmente eterno gol de Basílio: “O Corinthians vira explosão e vira o maior espetáculo do território brasileiro. Corinthians, você, acima de tudo, é a alma desse povo. Você vem da imagem, do sorriso de felicidade, das raízes do povo, Corinthians. Hoje a cidade é do povo”.


O torcedor alvinegro soube esperar, assim como fizera durante aqueles vinte e três anos. E tanto na fila quanto na busca pela Libertadores, foi recompensado com uma sensação única, com um grito uníssono, com um gol espetacular. 

Desmoronou o Boca Juniors, expondo toda a sua fraqueza. Com o tabuleiro virado, a calma se tornou desespero. Os argentinos se curvaram diante do Corinthians, perderam a cabeça. Perturbados, estavam ainda mais vulneráveis, e o erro não tardou a acontecer. A desatenção do veterano Schiavi foi apenas um retrato do que o Boca se tornara depois do primeiro gol. Emerson disparou em direção ao título, foi o carrasco dos carrascos, enterrando qualquer chance de reação dos argentinos.

Dali em diante, boquenses provaram da sua própria catimba, da sua própria malícia, da chatice que é ser atazanado pelo adversário. O Corinthians foi Boca Juniors nos minutos finais da partida. Aliás, o Corinthians foi Corinthians, porque durante esses anos todos perdeu para aprender a ganhar. E finalmente aprendeu.

(Foto: AFP)

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