terça-feira, 16 de agosto de 2011

Identidade, dissílabos e futebol brasileiro


 
Recentemente, tenho assistido às partidas do Brasil no Mundial Sub-20. Sinto muito, mas percebo cada vez mais um processo de ‘desbrasileirização’ da seleção.

Os brasileiros estão mais sérios. E percebe-se isso, a princípio, no nome dos jogadores. Apelidos deram lugar aos nomes compostos. Acostumados aos ‘descontraídos’ Bebetos, Dungas, Zinhos e Kakás, hoje vemos os ‘carrancudos’ Bruno Uvini, Philippe Coutinho, Willian José, Lucas Leiva, Lucas Piazon.

Onde foram parar os apelidos? Característicos do Brasil, aqueles nomes que não necessitavam mais de duas sílabas para impor respeito. Duas sílabas repetidas, como Vavá e Didi. Duas sílabas eficientes, como Cafu. Duas sílabas precisas, como Zico. Zico, que além de Zico, era Galinho. Nomes criativos de gente criativa, como Tostão e Careca. Garrincha, que além de Garrincha, era Mané. E como esquecer os diminutivos? Ronaldinhos, Leivinhas, Jairzinhos, Zizinhos, Juninhos, Serginhos, Jorginhos...

Garrincha, Didi, Pelé, Vavá e Zagallo; da esquerda para a direita
Cito os nomes como o exemplo primeiro e básico para entender o que vem acontecendo com o futebol brasileiro. O futebol arte, descontraído, tradicional ao Brasil, perdeu espaço. Temo nunca ter a oportunidade de ver uma seleção como eram as seleções de 1962, 1970, 1982...

Vi uma grande Seleção, é verdade. Em 2002, o Brasil ganhou o penta, e ganhou bonito. A Copa de Ronaldo(inho). Copa de Rivaldo, Copa do Brasil. Cafu e Roberto Carlos nas laterais, uma das maiores (senão a maior) dupla de alas de todos os tempos. Fizeram por merecer a quinta estrela no peito. Exclusiva do Brasil.

Apesar do fracasso na Copa da Alemanha, a Seleção de 2006 era também um prato cheio para o amante do verdadeiro futebol: Ronaldinho, Kaká, Ronaldo e Adriano faziam valer com a mera presença qualquer ingresso. E tinha um Zé, o Zé Roberto. Melhor jogador da Alemanha. No banco, Robinho, Juninho Pernambucano. Um timaço. Por coisas do futebol, não jogou bem na Copa.

Independente disso, a Copa de 2006 foi um marco. Um divisor de águas, eu diria. Antes dela, valia a pena parar de fazer qualquer coisa para ver o Brasil jogar. Ainda que fossem os amistosos contra Hong Kong ou Haiti, a exibição do Brasil fazia valer o jogo. O que contraria a opinião pública de que os jogos do Brasil estão chatos por causa dos adversários.

Sou fanático por futebol porque vi Ronaldinho entrar, dar chapéu e meter pro gol. Porque vi Roberto Carlos colocar curvas quase sobrenaturais na bola. E, na época, não era preciso uma Jabulani para chutar assim. Sou fanático por futebol porque vi Ronaldo, o Fenômeno, com ‘cabelo de Cascão’, fazer gol e sair balançando o dedo.

Hoje a situação se inverteu: vejo o Brasil jogar apenas porque sou fanático. Os jogos não agradam mais. E não é uma questão de resultado. Mesmo quando o Brasil ganha suas partidas, como fez recentemente contra Ucrânia, Escócia e Romênia, não é a mesma coisa. Senti um desperdício enorme de sábado, recentemente, quando assisti a um jogo sem gols (e aparentemente sem futebol) entre Brasil e Holanda no Serra Dourada. Tão contraditório aos confrontos que brasileiros e holandeses protagonizaram em 74, 94, 98...

É, sim, uma questão de espetáculo. A seleção brasileira não tem mais o glamour de antes. Os jogadores não têm mais o mesmo perfil. Até camisa da Seleção Brasileira, a mais sagrada de todo o futebol, agora tem uma aberração retangular no peito. Quadrado como o nosso futebol.

E tentamos resgatar o verdadeiro futebol do Brasil com raros bons momentos nos últimos anos. Na decisão da Copa das Confederações de 2009, uma virada bonita sobre os Estados Unidos chegou a me iludir. Assim como a vitória sobre a Argentina, em Rosário, ou o massacre em cima de Portugal por 6 a 2. Mas foi só. Parou por aí.

O brasileiro perdeu a identidade. Efeito Playstation, eu diria. Deixamos de nos inspirar em Dadás, Edus e Pepes para pegar a mania europeia de Cristianos Ronaldos. Mania europeia, sim, pois eles sempre gostaram de usar todos os nomes.

Por isso, eu digo: esqueçam Paulo Henrique. É Ganso. Esqueçam o Alexandre, deixem só o Pato. Não só a identidade, o brasileiro perdeu também a intimidade com a seleção. Eu prefiro a simplicidade de um Kaká à “pomposidade” de um Lucas Piazon. E, ah, como é bom ver um Dedé no time! Simples assim: Dedé. Muito mais brasileiro que David Luiz, pelo menos no nome.

Parece que cometemos a tolice de achar que o número de letras influenciará no futebol. Isso é uma grande mentira. Edson perdeu uma letra e virou Pelé. Com quatro letras, duas sílabas e muito futebol, Pelé conquistou o mundo. Fez mais de mil gols. Parou uma guerra. Ainda perdeu mais uma letra depois. Porém, três letras ainda bastaram para descrever sua majestade: Rei.

PS: Abaixo, um vídeo com lances da Seleção Brasileira de 1982, considerada por muitos, a melhor de todos os tempos.


Um comentário:

  1. Parabéns pelo excelente artigo!!!

    É verdade mesmo. Hoje temos nomes mais compridos e futebol curtinho curtinho.

    Por isso torço mais para o Timão do que para Seleção!!!

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