sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Desvelada crise de Shakespeare




Atípica noite de quinta-feira. A inerente emoção da chegada do fim de semana do cidadão comum aliou-se ao sentimento mais puro de duas grandes torcidas. Uma partida de tamanha importância como aquela foi, estranha e bizarramente, transferida para a quinta-feira. Interesses “maiores”? Sem dúvidas. O espanto maior é considerarmos normal o controle desses “maiores” sobre um evento nacional, um esporte que não deveria ser posse de Poucos. O fato é que os Poucos puderam assistir.
O espetáculo das multidões (Foto: Marcos Ribolli/Globoesporte.com)
Dentro do campo, o verdeiro e único Palco do futebol, Corinthians, o herói ferido, enfrentaria o Flamengo, militar enfraquecido, no entanto, agressivo. Uma peça de dois atos. Nada mais que isso seria necessário para a dominação de um deles no campo de batalha e nos palcos diante dos olhos da plateia.
Antes mesmo do primeiro ato, algum subversivo figurante tentou chamar atenção da imprensa visando a ganhar papel “mais importante”. No entanto, descobriu-se que a comédia não é o ponto forte de Vanderlei Luxemburgo: o fatídico episódio do técnico rubro-negro colocando a culpa em seus jogadores pela derrota anterior, omitindo sua responsabilidade perante as câmeras e, sobretudo, estrelando o pífio episódio de “Solte mais um e verá a minha fúria” revela a vaidade transcendental desse “competente” técnico. Acha-se maior que o espetáculo: apenas demonstro com fatos o que afirmei outrora.
Mas a grande peça, aguardada por muitos milhões de espectadores, denotando a popularidade de seus atores, revelava-se muito maior do que todos os obstáculos impostos. Esqueciam-se os pontos perdidos nas últimas rodadas, os prêmios concedidos a adversários, as polêmicas geradas, os problemas internos, a guerra de egos: o primeiro ato se iniciou.
O Cenário: a casa do herói. A cena: o herói limpando suas feridas e estas cicatrizando aos poucos. O Corinthians, mesmo abatido pelas últimas rodadas, revigorou-se para a partida. Tomou conta do Palco. Era dono do espetáculo. Transformou outro protagonista em coadjuvante e, quiçá, figurante.
Mas o Flamengo não era mau ator. Ao contrário. Conhecia deveras Shakespeare. Revelava-se grande fã de “Otelo, o Mouro de Veneza”. Aliou-se a Iago para conferir o primeiro golpe a Otelo. Aos vinte e oito minutos do primeiro ato, Iago começou a tramar a “traição de Cássio”. Era o primeiro gol, o primeio golpe que o herói recebia. Suas feridas voltaram a sangrar. Otelo começava a ver Desdêmona mais distante, traindo-o com o amigo Cássio.
Mas o Herói, como todo bom herói, não desistiu. Golpeado uma vez, cambaleou. Estremeceu sentimentalmente verificando que Cássio poderia ser seu maior rival e que o amor de Desdêmona não o pertencia.
"Othello e Desdemona em Veneza", de Théodore Chassériau 
Foi em busca da verdade. Pressionou, lutou: era mais inteligente que Iago e Flamengo. Mas o primeiro ato terminou dessa forma. A dupla já predizia a morte de Otelo! O lenço que outrora era de Desdêmona foi encontrado com Cássio, revelando, a quem pudesse ver, a traição.
O segundo Ato se iniciou obstinado a concretizar as profecias de Iago e Flamengo. O plano consolidado deu muita calma aos cariocas. Tudo tramado e a vitória viria naturalmente. Entretanto, Otelo tinha amigos. E isso já foge, completamente, de Shakespeare. Talvez o Flamengo não conhecesse tanto as obras românticas e dramáticas do autor inglês. Mesmo antes do jogo, pareciam muito mais entendedores das cantigas de escárnio e maldizer do Trovadorismo do que propriamente das obras shakesperianas. Por isso, não atentaram para o fiel escudeiro do Herói. Fiel, há muito tempo. Aquele que auxiliou Dom Quixote a enfrentar, outrora, os monstros que sequer existiam. Era Liédson. Aos 17 minutos do segundo ato, o jogador fulminou Felipe. Alessandro bateu o lateral para dentro da área, a zaga cortou e Liédson, no rebote, de primeira, bateu rasteira. A bola, ainda, caprichosamente desviou no marcador flamenguista e enganou o goleiro. O Herói demonstrava, novamente, a mesma vitalidade. Otelo parecia estar descobrindo as farsas de Iago.
Liédson: Reescrevendo Shakespeare (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
O Corinthians passou a dominar a partida, novamente. Era a justiça sendo executada no Palco. A mesma justiça que auxiliava Otelo a descobrir as armações de Iago, contrariando até um dos maiores escritores do mundo. Comandante Tite alçou a equipe ao ataque. Deixou Otelo livre para atacar. E deu resultado. Aos 43 do segundo ato, Liédson, mais uma vez, em jogada pela direita, pegou o rebote e fuzilou Felipe, de primeira. Era o fim da trama de Iago. Todo o plano desmoronava. Utilizou de artimanhas baixas, beócias, ignorantes. O zagueiro Gustavo, em certa oportunidade do segundo ato, acertou um soco em Liédson. Um crime. A desvelada desorganização de um plano arquitetado por quem quer mais status do que resultados efetivos. Liédson, no entanto, golpeou Iago, Flamengo, seja quem for, duas vezes. Limpamente. Não precisou tocar em ninguém para inflingir tamanho prejuízo aos torcedores, à equipe, à vaidade de Luxemburgo.

Basta! O Segundo ato terminou dessa forma. Por mais alguns dias, talvez, Desdêmona continuará amando Otelo, e Cássio respeitando a união dos dois, enquanto Iago sempre se aliará com outros visando a concretizar a ilusão shakesperiana do fatídico fim do Mouro de Veneza!

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