domingo, 30 de outubro de 2011

Jovem, em construção


Qual jogador faria SEIS gols em uma partida? Pouquíssimos atletas têm tamanho talento. Chegar aos 96 gols aos 19 anos? Um jogador que não aparece todos os dias. Um craque que articula um time inteiro, que é maior que um técnico? Seja para o bem ou para o mal, é um atleta atípico.

Neymar, brilhante com as bolas no pé (Foto: Edson Lopes Jr./ Terra)

Jovem em construção

Nacional tesouro que construía um tão nacional futebol quanto aquele que outrora fizera o orgulho da nação.
E por que não dizer que sua finta e sua cobiça fazem renascer, no espírito brasileiro, um sentimento verdadeiro, que suplanta a razão?
Visto que diante da imprevisibilidade do futebol, dele nascia a grande esperança de uma melhora da situação.
Mas de fato desconhecia, como o OPERÁRIO, a sua verdadeira missão.
Não culpemos o jovem gigante que em infantil condição teve que enfrentar um mundo que poucos conhecem,
um mundo em que poucos sobrevivem e muitos fenecem,
na sua infinitude de intempéries sujeitas à aprovação de outros homens que, com um simples sinal com a mão,
erradicam sonhos, destroem esperanças, apodrecem vidas e decretam escravidão.
Mas, como o operário, o jovem jogador muito foi julgado por suas recentes ações,
por desconhecer que, por exemplo,
o esporte para aqueles homens é um templo,
um templo de convicções.
Como tampouco conhecia, verdadeiramente, aquilo que considerava seu emprego e sua fama, em construção.
Tudo aquilo, nada mais era, na realidade, que a sua escravidão.
Mas como podia um jovem em construção
compreender que contratos e ouro, em sua concretude,
valiam mais que a sua juventude?
Contratos e ouro poderiam melhorar sua casa, a vida da família 
sua juventude ele poderia viver. 
Mas, como o dinheiro, ele valia.
E, como um produto, vendiam-no e compravam-no, ações essas que, pela imaturidade, não poderia compreender.
É claro! Um jovem como aquele deveria contemplar a emoção
de seu primeiro amor, de suas primeiras conquistas e de sua primeira decepção.
Mas nada daquilo era possível: o jovem era só um jogador, um jogador em construção.
E assim, como o operário, o jovem ia:
dava show em estádios, campos estrangeiros;
colocava sua arte em prática também em terrenos brasileiros
e surpreendia a todos, como aquela franzina criança que superou todas as outras no terrão.
Terrão esse que era o princípio de uma prisão
Prisão de que sofreria, até que edifique o Homem, que não passa ainda de um jovem, em construção.
Igual ao operário,
o jovem desconhecia um fato extraordinário.
O jovem, em construção
havia se transformado em um relicário
uma urna santa com todas as esperanças e convicções dos fiéis, movidos pela emoção.
Talvez tenha sido uma carga muito pesada para um simples jovem, em construção.
O jovem não soube lidar com tal pressão.
O jovem então foi tomado, por uma súbita emoção,
ao perceber assombrado, como o operário, a constatação
de que tudo que fazia
nada mais valia
do que servir ao próximo que nada o oferecia.
Olhou em torno do estádio lotado:
jornalista, técnico, jogador e jovem por seus pais amparado.
Talvez aquela imagem o tenha feito enxergar que o espetáculo, tudo que ali existia
era ele quem o fazia,
um jovem, proibido de sua juventude, em construção,
um jovem que era forçado a exercer bem a sua profissão.
Ah, homens de pensamento,
não sabereis o quanto aquele jovem, assim como o humilde operário
soube naquele momento!
Um fato ordinário!
Vendera sua juventude, sua emoção
para aqueles que nunca lhe deram a mão.
Oferecia a arte, em troca de ouro, e dinheiro em um caminhão
aquilo que, para o jovem, parecia uma podridão.
Em um ato emocionado, em campo, sua ira mostrou
como nunca suspeitara
qualquer homem que acompanha qualquer jovem, em construção.
Talvez esse momento de grande intensidade
fez emergir um verdadeiro profissional que, na imatura idade,
teve de se acostumar com os obstáculos de sua profissão
Nessa descarga, o jovem, em construção, não deixou de ser jovem, muito menos um jovem em construção.
Mas chegou à compreensão
que, como o operário, cresceu em alto e profundo, em largo e no coração
e como tudo que cresce, não cresceu em vão.
Adquiriu uma nova dimensão.
Dimensão essa que o transformou em um jovem que sabe exercer sua profissão.
Mesmo com sua construção incompleta, o jovem, assim como o operário,
em um movimento incomum e extraordinário,
teve mais honra que qualquer homem de sua nação.
Começou a dizer NÃO.
Diante da cobiça merengue e do desejo catalão,
O jovem, em construção, disse, categoricamente, NÃO!
Começou a perceber coisas a que não dava atenção:
notou que sua finta era, para o torcedor, a diversão.
Sua imensa fadiga era a amiga do patrão.
O seu gol era do torcedor a emoção.
O talento, então, começou a incomodar os adversários, que iniciaram a perseguição
Companheiros de trabalho aguardavam-no para a agressão.
Mas o jovem se esquivava tão bem da marcação,  
que sempre conseguia importunar a zaga com sua finalização.
Outras equipes oportunaram o jovem, em construção
sob a seguinte alegação:
- Dar-te-ei tudo o que for preciso para tua satisfação.
Dou-te dinheiro, dou-te tempo de mulher se me adorares.
Mas o jovem jogador, em construção,
nada mais via do que a constatação 
de que tudo o que o magnata não via.
Finta, drible, passe, cabeceada, finalização,
que dava o lucro de cada dia ao seu patrão
era, na realidade, o futebol, aquilo que o jovem verdadeiramente bem fazia.
Disse, categoricamente, mais um NÃO,
àquele magnata que o importunava com mais uma proposição.
"Devo honrar aqueles que me dão, verdadeiramente, o coração",
e mesmo movido pelo dinheiro, afinal ninguém se move somente pela emoção,
o jovem que muito bem ganha nos dá a esperança de construção
de mais jovens que, conscientemente, digam NÃO.
E que passem a serem construídos, não de maneira totalmente desgraçada
como é imposta ao jovem, nessa terrível balada.
Por outros que viverão,
cresce em meu coração
a esperança de poder contemplar
um futebol espetacular
como o desse jovem, em construção.


Essa singela produção textual dialoga com "O operário em construção" de Vinícius de Moraes.

@01GHOL

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