quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O fundo do copo


O velho surfista já não sustentava grande esperança. Meio descrente, meio deprimido, confiou na cegueira de sua fé. Logo cedo vestiu a camisa alviceleste e foi caminhar pela orla. As águas revoltas pareciam anunciar a morte de alguém. Os olhos profundos – tão profundos quanto o mar de Florianópolis – estavam perdidos na angústia de um time que se afogava. Ele caminhava cabisbaixo, chutando as pedras e coçando a cabeça. Os cabelos queimados de sol caíam sobre o rosto marcado pelos cinquenta e tantos anos de vida.

Longe dali – muito longe –, o bom mineiro fervia a água de seu café. Sentou-se à mesa e mordeu um pão de queijo, sem muito apetite. O nervosismo gelava seus pés. Sem perder o bom humor, brincou com a esposa: “mas eu sou pé frio mesmo, viu?”. Ela sorriu. Não entendia bem o significado do jogo que aconteceria horas mais tarde. Na verdade não se conformava, mesmo com mais de quarenta anos de casamento, com a paixão do marido por um clube de futebol que sequer figurava entre os grandes de Belo Horizonte.

Caminhou até a beira da praia com as sandálias na mão. Observou o vai-e-vem das ondas e relembrou grandes emoções nas arquibancadas da Ressacada. Lamentou o jogo fora de casa. Lamentou a situação do time. Decidiu ir embora. O tempo, impiedoso, negava-se a passar. Ele precisava se distrair, parar de pensar.
(Foto: Rubens Flores/FotoArena/AE)
Nem mesmo o boteco seduzia o bom mineiro. Pensou em abandonar os velhos amigos na noite daquele sábado e assistir ao jogo em casa. Foi a tensão da partida de “vida ou morte” que acabou por levá-lo ao reduto de todos os finais de semana. Debruçou-se sobre o balcão, cogitou pedir a pinga de sempre. Hesitou. Pediu um uísque. 

Ironicamente, o céu catarinense, tomado por nuvens, destilava tons azuis e brancos. O velho surfista sentou-se na varanda, abriu uma cerveja e conversou consigo por horas, esperando o início da partida. Confessou todas as angústias e lamúrias para o próprio reflexo no copo. Acompanhou a lenta descida do sol. Pensou nos filhos, na ex-mulher. Mas estava sozinho e prestes a desabar. 

A sensação de melancolia que impregnava o bar era, até certo ponto, previsível. O mau momento do futebol mineiro desmotivava as rodas de conversa. A gritaria e as gargalhadas já não eram mais as mesmas. Ele tomou um gole do uísque, depois outro. E depois mais duas doses, que viraram outras tantas. Perdido no meio de tantos perdidos, se viu obrigado a mergulhar em um copo com duas pedras de gelo.

Os ponteiros anunciavam: era chegada a hora.

Naquele sábado, os jogos começaram às sete, em contraponto aos derradeiros raios de sol. Sol que não voltará a nascer para América Mineiro e Avaí. Pelo menos não este ano.

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