sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

All-in


Luxemburgo não sabia bem o que fazer com um cinco de copas e um dois de paus na mão. Preferiu não arriscar. “Eu estou fora”. Pôs as cartas sobre a mesa, voltadas para baixo. Repetiu o gesto nas dez rodadas subsequentes. Estava sem sorte e, mais do que isso, completamente desconcentrado. Entre goles e gargalhadas, pouco movimentou suas fichas. Perdeu mais que ganhou. Subestimou a estratégia – justo ele, um comandante nato. Contou apenas com a sorte e quis fazer fortuna com o prestígio do seu nome.

Do lado oposto da mesa, um senhor observava cada movimento atentamente. Magro, muito magro, mirava com profundidade, franzindo a sinuosa testa e sorrindo com um ar debochado, como se soubesse mais do que deveria. Os cabelos penteados para trás com brilhantina e o bigode fino construíam uma caricatura cinquentista. Espécie de jogador anacrônico, isolado em outra época.

Estava calado desde o início da partida. Escondia-se atrás das cartas, mas colecionava o maior número de fichas. Experiente, sabia apostar. Não precisava de um par de ases para acreditar em sua mão. Confiava no flop, na inteligência do baralho. E parecia desconfortável com a postura do rival. Grandioso, poderia usufruir daquela displicência para enriquecer ainda mais, mas preferiu questionar. “Vai ficar só olhando, Vanderlei?”.

A pergunta foi incômoda. “O jogo não está colaborando”, retrucou Luxemburgo, camuflado pela fumaça branca do charuto cubano que degustava. “Nem sempre o baralho colabora, não é mesmo?”, rebateu o velho. “Me parece que você está esperando cair do céu”. O treinador tossiu. “Eu já venci grandes embates. Isso aqui é só uma brincadeira, tá certo?”, desengasgou. “Não tenho medo de perder, só estou esperando um bom momento”.

“Bom momento? É o jogador quem faz o jogo. O pôquer me ensinou a apostar sem grandes cartas. Você já foi melhor, Vanderlei”, dizia enquanto contava as fichas. “Já foi o melhor”. Novas cartas rodaram nas mãos e na mesa. Viraram um rei, um dez e um oito de espadas. “É disso que estou falando”, desconversou Luxemburgo, apostando uma boa quantia no promissor flop. O homem insistiu. “Ouça o que eu tenho a lhe dizer, meu caro. Ninguém permanece no auge por tanto tempo. Eu percebo que você estagnou, Vanderlei. Está ultrapassado”, insinuou. 

O ‘professor’ se irritou. “Quem é você? Por que acha que pode palpitar na minha vida? Eu sou profissional, tá certo? Quero jogar meu baralho. Vai pagar ou não vai?”. O misterioso sujeito dobrou a aposta. “Eu também já estive no futebol e sei que, como no pôquer, você traça a estratégia de acordo com o comportamento dos oponentes. Seu erro foi achar que, depois de consagrado, ninguém conseguiria combater suas táticas. Mas o esporte evoluiu e você não. Agora vive às custas dos blefes”.
Contrariado, Luxemburgo não se conteve. “Olha aqui, meu senhor, eu já disse que vim só para jogar cartas. Minha vida não é da sua conta, tá certo? Eu estou há muitos anos no futebol, sou macaco velho. Tenho as costas largas e estou acostumado a críticas. Não sou um dos técnicos mais bem pagos do país à toa, concorda? Está dando certo para mim. O que você tem a ver com isso?”, explodiu. Suas mãos tremiam. Retomada a calma, cobriu a aposta do sujeito e vislumbrou não mais ser incomodado.

O turn trouxe uma dama de copas e novas insinuações. “Eu não quero que se sinta desconfortável, Vanderlei. Sei que nada disso compete a mim. Mas percebeu que está mais preocupado com as fichas do que com o jogo em si? Fica esperando uma grande mão para somar mais dinheiro e depois passa inúmeras rodadas gastando, sem nem jogar. Se nega a acreditar em cartas baixas”. Pediu mesa. O treinador ficou ainda mais irritado e mordeu os lábios para não proferir as piores ofensas ao atrevido adversário. Também não apostou, embora estivesse com um grande jogo em mãos.

A última carta foi virada, revelando um quatro de ouros. Nada de mais. Luxemburgo guardava um ás de copas e um sete de paus. Tinha a maior sequência de naipes diferentes. “All-in”, exclamou. “Você falou muito durante o jogo, meu amigo. Por que não paga para ver?”. O homem recuou. Olhou suas cartas, suas fichas e, relutante, decidiu cobrir. “Eu pago”.

Sorrindo, o “professor” jogou o ás na mesa e olhou para o oponente com certo desprezo. O sujeito se levantou e deixou as cartas viradas para baixo. “Eu estou fora. Parabéns, Vanderlei. Você é, realmente, um grande vencedor”. O técnico abraçou a montanha de fichas e, enquanto puxava para si, dirigiu-se ao rival, que já deixava a sala. “Não vai nem me dizer seu nome, colega?”. “Aymoré”, respondeu o velho. “Aymoré Moreira”, e bateu a porta.

Estarrecido, Luxemburgo pegou as duas cartas que o velho deixara sobre a mesa. Um dois e um três de espadas, que caracterizavam um flush. Aymoré era o legítimo vencedor. A Vanderlei sobraram as fichas, que o satisfaziam mais que qualquer triunfo, e o remorso de uma oportunidade fantástica jogada no lixo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário