segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Mesa de bar

(Foto: Fernando Calzzani/Gazeta Press)
A primeira veio como varredura de alma, para lavar o espírito, carregar a zica para bem longe. Desce! Desce gelada. Vem para trazer sorte, livrar-me dos demônios. Traz de uma vez por todas o apito inicial. E gritam as pessoas no bar. “Dá-lhe tricolor”, “dá-lhe verdão”. Dá-lhe também a primeira cerveja, e os primeiros cinco minutos, e a falta, e o gol. Nem vi! Cumprimentava o amigo que se acomodava enquanto Daniel Carvalho roubava dos pés de Assunção a abertura do placar da partida. Ousadia? Não, responsabilidade. E, acima de qualquer coisa, humildade do volante – o melhor batedor de faltas do mundo na atualidade (até que alguém me convença do contrário). “Em uma fase como a dele, deixar outro bater é de se aplaudir de pé”, comentavam em meio ao fala-fala botequeiro. Diria melhor ainda o amigo, aos goles: “até quando ele não bate é gol”. É, é gol. 

Seguia o jogo e a cerveja, a conversa e o riso, a torcida. Falavam os são-paulinos e os palmeirenses. E os não-são-paulinos e os não-palmeirenses. Desciam umas e outras doses no balcão do velho Vardi, enquanto na tela chocavam-se os reis do gramado, na disputa campal pela glória em um clássico que – cá entre mim e você, leitor – nada valia. Não nesse campeonato paulista. “Torneio de quatro jogos”, resmungava o tricolor mais rabugento no fundo do bar. “Paulistinha!”, gritava o outro. E só vale mesmo a honra, a alegria da torcida, o espetáculo, o sarro na segunda-chata-feira de trabalho. Mas para quem perde, de fato, não tem valor algum. Até que Cícero empatasse o jogo, pelo menos. Gritam e pulam e batem copos os tricolores. Não é que, ironicamente, parecia valer alguma coisa? 

Fez bem para o jogo o gol são-paulino tanto quanto a cerveja amorteceu minhas bochechas. Se o empate era gracioso, melhor ainda seria ver o placar movimentar-se outra vez. E caiu a bola nos pés de Barcos, e Paulo Miranda teve certeza que afastaria, e Píris esteve convicto de que cortaria, e mesmo Dênis pôde garantir que defenderia. E o argentino quase teve seu gol afastado ou cortado ou defendido, mas fuzilou e correu para o abraço. “Um centroavante, enfim”, pensei, e pensou qualquer palmeirense, e pensou Felipão.

O intervalo passou em mais uma garrafa. E dessa garrafa saiu uma conversa sobre a possível renúncia de Teixeira e a impossível estatização do futebol brasileiro. Entre a espuma da loura e o meu beijo de degustação, o jogo recomeçava e mal batiam pernas os jogadores quando o juiz assinalou pênalti para o São Paulo. De legitimidade duvidosa, ao menos consagrou o lindo chapéu de Cortez em Cicinho e a grande partida que o lateral tricolor fazia. Tomou um tranco no peito e caiu, dentro da área. Bola na cal e um indignado urro palmeirense ao meu ouvido. Que seria imediatamente engolido pelos urros de comemoração são-paulinos. William José não deu chance nenhuma para Deola. 

Nesse momento o amendoim já era um grande parceiro na mesa, acompanhante de gala da cerveja. Lá na TV, os dois times já demonstravam certo comodismo. O empate era justo, mas um lance fortuito, como um cruzamento inesperado que cai no pé do artilheiro, poderia colocar o Palmeiras na frente de novo, hipoteticamente. E não é que Juninho encontrou Barcos na entrada da pequena área para desempatar o jogo? “Um centroavante”. E seria um bom fim de jogo, um bom motivo para estender a permanência no bar. 

Mas diga-me, caro leitor: o que não é um bom motivo para estender a permanência no bar? Nem mesmo o gol de Fernandinho – com o pé direito – me desanimara. Outro empate, que fez o clássico cair no velho clichê de “ganhou o espectador”. Realmente, uma celebração do futebol. Placar justo, grande jogo. E veio a última, como varredura de alma. Desce! Desce gelada. Que bom que não valia nada.

@felipevaitsman

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