terça-feira, 25 de outubro de 2011

Sete Pecados*




 - Padre, eu pequei.

Quem entrava no confessionário era um senhor já com certa idade, bem trajado, porém apresentando certa fadiga. Passava a impressão de estar vivendo um período conturbado, ao mesmo tempo em que possuía resquícios de um estilo bonachão, que incorporava em momentos mais felizes.

- Conte-me, meu filho. O perdão divino é garantido àqueles que se arrependeram e buscam redenção.

- Bom... – prosseguiu o senhor com seu relato – minha história é longa, e espero que tenha paciência.

- A paciência do Senhor é infinita.

- Contarei desde o princípio, assim sendo. Sou há algum tempo o presidente de um grande clube de futebol. O maior, na verdade. – os olhos do velho regozijavam-se e brilhavam de orgulho – Somos um time diferenciado, de estrutura impecável, sem crises políticas e com muitos títulos. Na verdade, éramos tudo isso.

- E o que aconteceu, meu filho?

- Durante anos me gabei de tudo isso. Ia à imprensa, fazia provocações e enchia a boca para falar bem do clube.

- Ora, meu bom homem – interrompeu o padre – mas isso é um dos sete pecados capitais.

- Como assim?

- É vaidade! Um desejo de atrair atenção. Para isso, cria-se uma imagem pessoal e transmite-se essa imagem com o objetivo de ser admirado, venerado. Isso é pecado. Mas prossiga com sua história.

- Bom, o time era tudo isso quando eu assumi a presidência. Éramos os atuais campeões mundiais, e, sob minha gerência, ganhamos dois campeonatos brasileiros.  Após dois anos, me reelegi, e, ao fim de mais um biênio, resolvi ampliar o mandato de dois para três anos. Ao fim desses, em março deste ano, encontrei uma brecha para me reeleger para o terceiro mandato, coisa até então proibida pelo estatuto do clube. Felizmente, consegui permanecer.

- Veja bem – interrompeu o sacerdote – isso é chamado de gula, ou cobiça. O apego egoísta e exagerado a qualquer coisa. E também é pecado. Mas prossiga.

- Bom, tudo corria bem, mas as coisas começaram a desandar. Perdemos a quarta Libertadores seguida, todas para times brasileiros. Eu, irritado, acabei demitindo o treinador.

- Isso é ira, meu caro, e, bem como a vaidade e a gula, é um pecado capital. A ira é o destempero, é se deixar influenciar por uma emoção rancorosa sem fazer uso da razão. Ela nos leva a tomar medidas precipitadas e, muitas vezes, erradas.

- Mas não foi tão errada! Quero dizer, não a princípio... O técnico que eu importei da França chegou e o time reagiu. Quase levamos o brasileirão, mas não deu. E, no ano seguinte, novo fracasso da Libertadores, e demiti o treinador novamente.

- Mais ira...

- Achei que não era necessário, porém, trazer um novo treinador, daqueles muito inteligentes. Resolvi esperar, até porque, não queria me esforçar para trazer técnico. Nosso time era tão bom e diferenciado que não precisávamos procurar por um, era questão de tempo até que eles mesmos nos procurassem.

- A situação está se complicando. – comentou o padre – Você novamente pecou pela vaidade, e, agora, acrescentou a preguiça. A preguiça, meu senhor, também é um dos pecados capitais.

- E eu paguei por esse... – analisou, com tristeza, o velho – efetivei o treinador das categorias de base, campeão da Copa São Paulo. E o time foi de mal a pior. Precisei trocá-lo logo em seguida. Logo nós, que nunca trocávamos de técnico...

- Que ironia!

- O novo treinador chegou, mas nem nos classificamos para a Libertadores desse ano. Miramos, então, a Copa do Brasil, mas perdemos para o Avaí nas quartas. Tentei manter o treinador mais um pouco, mas ele não resistiu.

- Mais um?

- Pois é. E eu podia ter trazido alguém forte, mas não quis pagar a multa rescisória do Autuori ou do Dorival Jr... muito caro!

- Mas isso é avareza! Ser muquirana e mesquinho também é pecado!

- Veja bem... – o velho tentou iniciar uma justificativa, mas não teve sucesso, então, prosseguiu com a história – Então  eu contratei o Adilson...

- BATISTA?!

- O próprio...

- Perdoa-o, ó pai. Ele não sabe o que faz! – suplicou o padre, erguendo as mãos aos céus.

- Mas o Adílson durou exatamente um turno. Pegou o time em segundo, agora estamos em sexto. E como se não bastasse tudo isso, meu maior rival, que nunca teve estádio, agora receberá a Copa de 2014! Raios!

- Meu senhor, a ira provocada pelo sucesso dos outros é inveja. E a inveja, meu caro...

- Eu sei, eu sei... – interrompeu o presidente – é pecado! Fato é que toda essa má fase me levou a afogar as mágoas nos meus frascos de uísque. E, eu sei, o prazer carnal, no caso com a bebida, é luxúria. Luxúria também é pecado. Foi por isso que eu vim me confessar: ando bebendo demais...

- Bom, quanto a isso, não se preocupe. – tranquilizou o sacerdote – Reze quatro pai-nossos, com arrependimento, e será salvo.

- Mas e o resto, tudo isso que o senhor disse de vaidade, gula, ira, preguiça, avareza e inveja? Onde fica?

- Bom, pode rezar o quanto quiser, mas a penitência para isso é outra.

- E qual é?

- Seu time não será campeão brasileiro esse ano.

 
* Qualquer semelhança com instituições ou personalidades reais é mera coincidência... ou não. 

Um comentário:

  1. muito legal, não sei qual sua relação com o jornalismo mas se quizer é só continuar que da pra ver um futuro muito interessante! Legal mesmo

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