sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Obrigado, São Marcos!

(Foto: Folhapress)
Foi no dia 16 de maio de 1992 que o futebol brasileiro ganhou um de seus presentes mais valiosos. Deus resolveu presentear nosso esporte com uma pedra preciosa. Aparentemente, ela era simples e igual a todas as outras, mas o tempo mostraria que aquela pedra tinha um preço incalculável. Afinal, qual é o preço do caráter, da humildade, do amor ao que se faz? Foi no dia 16 de maio de 1992 que Marcos Roberto Silveira Reis entrou em campo para disputar sua primeira partida como profissional, defendendo as redes do time de seu coração: o Palmeiras.

“Minha sinceridade existe desde quando eu me tornei jogador de futebol. Talvez seja isso que tenha cativado os torcedores do Palmeiras e também dos outros clubes."

A estreia de Marcos aconteceu em um amistoso contra o Esportiva Guaratinguetá. A equipe alviverde venceu o jogo por 4 a 0 e o goleiro escreveu as primeiras palavras de sua história no clube defendendo um pênalti. Desde o início, o arqueiro demonstrou ser especialista em defender penalidades. Quando Marcos está no centro do gol, a baliza parece ficar menor... seria um milagre?

“Vocês têm cinco pênaltis para bater. Se fizerem três gols, está bom. Eu garanto o resto." [Antes de defender três pênaltis na disputa contra o Sport] 

(Foto: uol.com.br)
Sim, talvez seja um milagre. Marcos demonstrou que é capaz de fazer o impossível. Milagres que vão além da grande área e das defesas inacreditáveis. Porque, no futebol contemporâneo, jogar por amor, honrar a camisa de um clube e ser um exemplo até fora de campo também são milagres. Foi justamente por tê-los operado que o goleiro ganhou o apelido de “São Marcos”.

“É legal para o ego, mas dá uma responsabilidade muito grande. Tem gol que todo mundo toma, mas eu tenho que pegar porque sou São Marcos... sou goleiro, não sou santo porra nenhuma.”

Foi em 1999 que Marcos virou Santo. Até então, a pedra preciosa do Palmeiras estava sendo lapidada pela tradicional escola de goleiros do clube. Mas em março daquele ano a joia estava pronta. Velloso, até então titular absoluto, sofreu uma lesão e teve que dar lugar para o desconhecido reserva Marcos. O Palmeiras estava na fase de grupos da Libertadores e a torcida estava desconfiada. Deus abençoou o futuro santo e disse: “Chegou a sua hora”. Em três meses, o goleiro saiu do banco, fez defesas incríveis, ajudou a eliminar o Corinthians nas quartas de final da competição, foi eleito o melhor jogador do campeonato e a revelação do torneio continental e trouxe a taça para o Palestra Itáila.

“Em 1999, eu defendi umas bolas que penso: tenho que ver isso só na TV mesmo, porque nunca mais vou pegar daquele jeito (risos). Tem umas bolas nada a ver que eu estou correndo de um lado, a bola vem de outro, pega em mim e passa por cima... Eu fui abençoado por Deus na época, foram coisas absurdas mesmo."
(Foto: allejo.com.br)
Apesar da eterna humildade de Marcos, ele continuou fazendo “coisas absurdas” nos anos seguintes. Tornou-se titular absoluto e, mais uma vez, foi carrasco do Corinthians na Libertadores de 2000. Dessa vez, o torneio estava nas semifinais. Depois de uma vitória para cada time, a disputa foi mais uma vez para os pênaltis. O Verdão converteu seus 5 pênaltis. O alvinegro já tinha acertado 4 cobranças e Marcelinho Carioca, ídolo do Corinthians, seria o responsável pela quinta penalidade. Acho que todos sabem o fim dessa história, né?


“Eliminar o Corinthians, pegando um chute dele, realmente ficou marcado. E claro que me adiantei. Se o goleiro não fizer isso, ele bate com a cabeça na trave."

O camisa 12 deixou de ser ídolo apenas do Palmeiras para ser ídolo de todas as torcidas, quando mostrou sua personalidade ao país. Um sujeito simples, caipira, bem humorado, que nunca deixou que o sucesso mudasse o seu jeito de ser.

"Eu fiquei preso na porta giratória de um banco. O vigia me mandou tirar celular, chaves e tudo mais do bolso, mas a porta não abria. Mostrei meu braço para ele e disse: 'a placa está aqui dentro. Não tem como retirar'. Ele riu e abriu a porta."

São Marcos deixou de ser ídolo de todas as torcidas para ser ídolo de uma nação, quando defendeu as redes da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 2002. O Brasil inteiro vibrou com as defesas espetaculares do goleiro. Sagrou-se pentacampeão. O menino nascido em Oriente tinha chegado ao topo do mundo. E o que mudou? Ele ficou mais velho e perdeu o cabelo. Apenas isso.

“Na seleção brasileira, eu era o titular e os reservas eram o Dida e o Rogério Ceni. Isso sim era pressão. Com dois dos melhores goleiros do mundo ali eu era proibido de errar."

Seríamos penta se não fosse por Marcos? (Foto: globoesporte.com)
Mas o goleiro foi ainda além. Deixou de ser ídolo de uma nação para se tornar ídolo do futebol. Sim, o futebol prostrou-se diante do Santo e disse: “Obrigado, você entendeu o meu espírito”. Isso aconteceu quando Marcos recusou uma proposta milionária do Arsenal, da Inglaterra. Ele preferiu ficar no Verdão, jogando a série B e ganhando muito menos. Por quê? Pelo simples prazer de jogar futebol no time de seu coração.

“Eu percebi que não seria feliz se eu fosse pra Inglaterra. O que eu iria fazer lá? Não tem sítio, nem cachaça, nem cigarrinho de palha. Fiquei no Palmeiras e não me arrependo."

Para ser santo é preciso ser perfeito? Não. Marcos mostrou que até os santos cometem pecados. Ele também errou, tomou frangos, falou o que não devia. Mas nunca teve vergonha de admitir seus erros, de assumir a responsabilidade pelas derrotas e de mostrar que também era humano.

"Estou com vergonha do nosso time. Ninguém aqui merecia colocar a camisa do Palmeiras. Ninguém, nem eu."

(Foto: uol.com.br)
Contudo, Deus colocou uma cruz na vida do goleiro: as contusões. O histórico de Marcos sempre foi acompanhado por lesões em diversas partes do corpo. Assim, teve que passar vários meses de sua carreira no departamento médico. No começo de 2008, ele já não aguentava mais, estava há muito tempo sem jogar e falava em se aposentar. Mas a vontade de entrar em campo foi o melhor remédio para eliminar todas as dores. E o Santo se reergueu.

“(...) Eu me quebro tudo de novo. Juro por Deus, eu me quebro tudo de novo. Mas não vou perder pra essa Ponte Preta nem a pau. Eu quebro minha perna, quebro meu pescoço, mas não vou perder, porque eu sei o que sofri para estar aqui (...) Então, eu não vou ter medo de errar. Se eu errar, foda-se. Mas eu vou arriscar. Se tiver que jogar de líbero, eu jogo. Mas eu não vou perder! Eu não vou perder!"

E de fato ele não perdeu. Não perdeu a oportunidade de mostrar que simplicidade e felicidade andam lado a lado. Recebeu uma única missão de Deus: trazer o sorriso de volta ao futebol. Fez mais que isso: trouxe o sorriso, a humildade e o respeito para todo mundo que o assistiu.

(Foto: uol.com.br)
Uma vez que a missão foi cumprida, os holofotes se apagam e chega a hora de sair de campo. E Marcos foi para o eterno vestiário, deixando-nos a certeza de que nunca poderá ser substituído. Ter que anunciar sua aposentadoria foi sem dúvida a lesão mais dolorosa que já sofreu. E, dessa vez, teremos que sofrer com ele. Ficamos desfalcados. Nosso gol está aberto. Quem irá defender o amor à camisa? Quem irá espalmar a comercialização do futebol? Quem será nosso capitão da verdade?

Perguntas sem respostas. A única coisa que sabemos é que o futebol brasileiro perdeu um pouco de seu brilho. Fica a esperança de que, mesmo fora de campo, São Marcos possa continuar abençoando nosso futebol.

Por fim, peço um parágrafo pessoal, aquele em que a gente deixa de ser blogueiro-jornalista e passa a ser humano. Eu não quero dar adeus, eu não vou dar adeus. Talvez porque minha ficha não tenha caído ainda e não tenha me conformado. Marcos foi a figura em que me espelhei desde que eu era um pequeno palmeirense. Portanto, só me resta agradecer àquele que foi mais que torcedor, mais que goleiro, mais que ídolo e mais que santo. Foi exemplo. Obrigado, São Marcos!


Obs.: Todos os trechos entre aspas são declarações de Marcos

@renanfantinato

Um comentário:

  1. Ei, voce deve ser um fanático torcedor, e como estudante de jornalismo excepcional,escreveu com o coração e sabias palavras.
    Realmente o Nosso grande goleiro é tudo isso,e uma pessoa com caráter indiscutível;
    Parabéns

    ResponderExcluir